domingo, 28 de julho de 2019

Quando os familiares discordam sobre o futuro da empresa (II)


Situação hipotética

Imagine-se o mesmo grupo empresarial hipotético do post Quando os familiares discordam sobre o futuro da empresa, cujos fundadores e acionistas controladores (majoritários) são os membros integrantes de uma família. Imagine-se que haja sócios não controladores (minoritários), quase sempre alheios às discussões de assuntos relevantes sobre o grupo.

Assuma-se ainda que um dos filhos do fundador exerça a presidência executiva e que outros membros da família ocupem posições no conselho de administração e na diretoria executiva do grupo empresarial. Os sócios não controladores confiam substancialmente na administração.

O presidente executivo concebe planos de expandir o grupo, mas os demais integrantes da família não concordam com a lógica de crescimento proposta, que exigirá a presença de outros sócios não familiares, com poder de veto nas decisões. Sem esses novos sócios, não haverá o capital exigido para o crescimento.

A questão dos minoritários

Chamamos a atenção dos leitores sobre um aspecto que não foi explorado na primeira reflexão sobre a situação acima descrita: a questão dos sócios não controladores. Nesse sentido, são pontos importantes:

1) Há, na organização hipotética considerada, sócios não controladores (minoritários); na grande maioria das situações, eles estão alheios às discussões de assuntos relevantes sobre o grupo.

2) Os sócios não controladores confiem substancialmente nos sócios controladores e na administração, onde os controladores estão muito presentes; por essa razão, aparentemente não se envolvem nas discussões sobre temas relevantes.

3) Ao mesmo tempo, algo muito relevante e que pode alterar o patrimônio de todos os sócios está em discussão: a possibilidade versus a impossibilidade de entrada de novos sócios na empresa, cujo ingresso, aportando capital novo, poderá ser positivo para o patrimônio de todos os sócios.

4) Adicionalmente, há um desalinhamento de visões entre membros da família controladora que pode mudar o futuro da empresa, aumentando ou não seu valor econômico. Mesmo assim, os sócios não controladores aparentemente não percebem o conflito. Não percebem ou não se interessam? Ou não são bem informados? 

Conforme se percebe, por maior que seja a confiança dos sócios não controladores nos sócios controladores, não deixa de estranhar o seu distanciamento em relação ao que ora ocorre – a proposta do presidente executivo e a resistência dos demais membros da família controladora em aceitar tal proposta. Em que pese o estranhamento citado, na prática, muitos sócios não controladores não acompanham o que ocorrem nas empresas dos quais eles são detentores de capital.

É importante dizer que nas companhias com ações listadas em bolsa de valores – e este não é o caso da organização do exemplo hipotético – certa assimetria informacional é compreensível, em função da restrição que a própria Lei das Sociedades Anônimas (6.404, de 15/12/1976 e duas revisões) impõe aos administradores das empresas. Mas isso não implica o quase completo distanciamento, já que essas organizações devem prestar informações básicas a todo o conjunto de acionistas, resguardas as disposições legais.

O grupo empresarial hipotético aqui tratado não é uma sociedade anônima, ainda que adote algumas práticas interessantes, como dispor de um conselho de administração (poderá vir a ser se aceitar novos sócios, esta é uma das possibilidades de crescimento dos seus negócios), mas, mesmo assim, é recomendável que venha trabalhando por meio de boas práticas de governança corporativa em relação os sócios não controladores (minoritários). Destes, espera-se também bom nível de interesse sobre o negócio e seu futuro, mesmo que exista alta confiança na administração da empresa.

Assim sendo, e em complementação às quatro considerações acima, consideramos pertinentes os seguintes questionamentos:

1) Qual é a estrutura de propriedade exata do grupo empresarial? Dito de outra forma, quais são as participações de cada sócio, entre controladores e não controladores, no capital?

2) Quem são, exatamente, os sócios não controladores? Pessoas físicas? Pessoas jurídicas? Ambas as  categorias existem?

3) Quais são as práticas de governança corporativa no que concerne aos sócios não controladores, quando se consideram os princípios clássicos da transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa?

4) Em que medida essas práticas se aproximam de boas práticas requeridas de empresas com governança sólida? As práticas existentes contribuem para uma arquitetura organizacional desejável na esfera da cúpula da organização, sob o ângulo da totalidade dos sócios? 

A grande confiança percebida nos sócios não controladores em relação aos sócios controladores, pode estar embasada em boas práticas de governança? Sim, é possível, mas a descrição do caso não explicita este aspecto. Adicionalmente, há que refletir se faz sentido que os minoritários nada saibam sobre a proposta presidencial e a oposição à mesma. Haverá transparência nesta organização hipotética?

Pode ser compreensível que  a proposta de agregar novos sócios, em um primeiro momento, se restrinja ao contexto da família. Mas que o impasse perdure sem transparência, ou então que seja resolvido sem que os sócios não controladores possam opinar, não é recomendável, sob o prisma de uma boa governança. Afinal, eles, os minoritários, precisam ter a chance entender e de concordar ou não com o futuro proposto, tomando decisões que sejam interessantes para o seu patrimônio. No limite, até se desfazendo de sua participação na empresa, se o futuro citado não parecer promissor.

Fonte original do caso:

Maria Aparecida Hess Loures Paranhos e Mônica Mansur Brandão

Mônica Mansur Brandão