segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Doar estatais ao invés de privatizar? Não priorizar a desigualdade? (1/2)


No mês de agosto, a convite do Centro de Liberdade Econômica da Universidade Mackenzie, o professor de economia Christopher Lingle, dos EUA, esteve no Brasil e foi entrevistado pelo jornal de Folha de São Paulo (Brasil deveria doar estatais para acelerar privatização, diz professor, 22/8).

O professor Lingle é doutor em economia pela Universidade da Geórgia, sendo conhecido como liberal e crítico da regulamentação de mercados. Há cerca de 22 anos, ele publicou o livro Ascensão e Declínio do Século Asiático (1997), em que apontava os riscos e fragilidades do modelo econômico adotado por várias economias da Ásia, fortemente baseado em exportações. A famosa crise asiática, ocorrida após o trabalho ser publicado, confirmou suas previsões.

Na entrevista concedida à Folha de São Paulo, realizada pelo jornalista Fábio Zanini, Christopher Lingle alertou sobre os riscos do estouro de uma gigantesca bolha de crédito, criada, segundo ele, por presidentes de bancos centrais. Na visão do professor, esta possível bolha, estimada em US$ 15 trilhões, poderá estourar amanhã ou daqui a alguns anos, o que será uma catástrofe para o capitalismo, em âmbito global.

Sobre privatizações

Sem deixar de reconhecer como preocupante o risco da gigantesca bolha, supracitado (este risco vem sendo apontado por outros economistas e com outros enfoques), chamaram-nos a atenção as respostas dadas pelo professor Christopher Lingle às perguntas feitas pelo jornalista Fábio Zanini sobre privatizações de empresas estatais no Brasil. Apresentamos a seguir as perguntas feitas e uma tentativa de síntese das respostas respectivas:

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FSP - O sr. defende que melhor que privatizar empresas seria doá-las. Poderia explicar melhor? Como isso ocorreria na prática?

CL – Síntese abaixo:

Privatização faz sentido porque ativa capital morto.

O problema com o Estado tentar vender ativos é que está sempre esperando os melhores preços, porque acredita que o aspecto importante é a receita. Na verdade, o benefício da privatização é a transferência da propriedade pública para privada.

O jeito mais fácil de fazer isso é doar. Poderia ser feito por meio de uma loteria. Faz-se um sorteio na TV e alguém fica com o palácio presidencial, por exemplo.

FSP - Não seria errado dar patrimônio público assim de graça?

CL - Corretores e intermediários entendem como essas coisas operam. Vão até essas pessoas e dizem: vou vender ou alugar esse bem em seu nome. E você vai receber uma renda baseada nisso. Você não está dando de graça, está dando a pessoas que pagaram imposto e contribuíram com trabalho para que esses ativos fossem construídos.

(O professor ainda cita o exemplo da Rússia, onde ativos estatais foram transferidos para indivíduos privados. Questionado pelo jornalista Fábio Zanini sobre as denúncias de corrupção do processo de privatização na Rússia, Christopher Lingle citou a corrupção na Petrobrás.)

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Breves reflexões

Façamos aqui algumas considerações sobre as respostas do professor Christopher Lingle à Folha de São Paulo, no que tange à privatização de estatais, sob o prisma de boas práticas de governança corporativa.

Consideremos o exemplo hipotético de uma empresa, com valor econômico positivo e significativo, ou seja, ela não pode ser considerada capital morto. Imaginemos que os sócios dessa empresa contratem uma administração profissional para cuidar de seu negócio.

Neste exemplo hipotético, e sem entrar no mérito jurídico do que é ou não possível fazer em nosso País, indagamos: seria ético, seria razoável os administradores contratados pelos sócios doarem seu patrimônio a outro agente? Seria correto esses administradores espoliarem os sócios originais em benefício de outrem, ainda que sob a suposição de que isto seria o melhor para todos?

Quem são os sócios das empresas estatais representados em sua administração por profissionais indicados pelo Poder Executivo? São os cidadãos de um estado ou do País, conforme o controle da empresa. Eles são cidadãos e sócios.

A nosso ver, não existe qualquer justificativa, sob nenhum ponto de vista, que justifique doar o patrimônio de um grupo de cidadãos e sócios (amplo, diga-se de passagem, no caso de estatais) a outra pessoa ou grupo à revelia das primeiras e sem a justa compensação. Esta seria essa uma péssima – ou inimaginável – prática de governança corporativa. Haveria ética nesta prática?

A proposta do professor Lingle corresponderia a levar o conflito de agência (o conflito clássico entre quem delega poderes e quem delegou) em estatais privatizáveis a um patamar que não faz sentido.

O professor Christopher Lingle ainda menciona a venda de ativos pelo estado: ele espera os melhores preços de venda e isto seria um problema. Ora, não é recomendável e lícito a quem vende um ativo buscar vendê-lo ao melhor preço possível? Ou isto é algo errado?

Por fim, com respeito à loteria proposta pelo professor Lingle, resta a dúvida sobre quem seria elegível para participar de sorteios.

Continua em


Mônica Mansur Brandão

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