domingo, 1 de setembro de 2019

Por que a cultura deve ser objeto de grande atenção dos conselhos de administração?


Inicialmente, cabe indagar: o que é cultura organizacional? Este termo é definido de várias formas na literatura acadêmica, mas, para fins do presente artigo, consideramos que ele seja sinônimo de regras do jogo não escritas.

A definição anterior, infelizmente, não é nossa, mas é aquela apresentada pelo ilustre economista Douglass North, vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 1993, no livro Institutions, institutional change and economic performance – political economy of institutions and decisions (1990). Ainda que direcionada à Ciência Econômica, a definição do professor North pode ser transposta à Ciência Administrativa. É o que fazemos neste artigo, visando meramente favorecer sua compreensão.

Por que as regras do jogo não escritas na organização devem importar aos conselhos de administração? O artigo Culture risk oversight: measures the board can take (27/8/2019), publicado no Wall Street Journal por Laura Skov, especialista da Deloitte, apresenta um conjunto de reflexões sobre a importância da cultura para os conselhos. Dessas considerações, extraímos três pontos, os quais nos parecem mais relevantes:

1) A cultura é um ativo sem preço.

2) Uma cultura danificada pode criar disfunções na organização, colocando em risco ativos críticos.

3) A cultura pode fazer ou quebrar uma organização.

Assumindo que a cultura – as regras do jogo não escritas da organização – seja “algo” que pode definir o futuro organizacional, e ainda, que o conselho de administração seja o efetivo guardião desse futuro, faz sentido reconhecer que o tema cultura é da esfera dos conselhos, não devendo ficar relegado apenas às diretorias executivas que, muitas vezes se tornam envolvidas com muitos outros assuntos candentes e terminam por não dedicar tempo ao diagnóstico, à análise e à melhoria da cultura. Aliás, o envolvimento dos conselhos no tema cultura inevitavelmente o priorizará nas agendas das assoberbadas diretorias das organizações, envolvidas - como deve ser - no dia-a-dia organizacional.

Como então endereçar a cultura em âmbito dos conselhos? O desafio não é trivial, pois a cultura organizacional é, frequentemente, percebida como um assunto soft, no sentido de não ser palpável, tangível, concreto e sujeito à intervenção administrativa. Ao mesmo tempo, os administradores das organizações, em todos os níveis, necessitam endereçar questões importantes por meio de uma visão crítica em que a objetividade e a subjetividade ajudem efetivamente a pensar e agir.

O artigo de Laura Skov propõe que o enfoque para tratar a cultura no ambiente dos conselhos de administração seja o dos riscos. Faz sentido, considerando os três pontos relevantes acima relacionados, especialmente o terceiro – a cultura pode fazer ou quebrar uma organização. Nessa perspectiva, o endereçamento da cultura como fator de risco cria a necessidade de um diagnóstico capaz de fornecer aos conselheiros e diretores um bom retrato da cultura vigente, apontando gaps (lacunas) entre esta e a cultura desejada e insights sobre como intervir para mudar ou melhorar a cultura.

Há diferentes formas de construir diagnósticos culturais e de formatá-los de maneira interessante para que conselheiros de administração possam fazer o seu trabalho. Sem entrar no mérito das possíveis ferramentas e das possibilidades que a tecnologia oferece para a realização de diagnósticos céleres e mesmo em tempo real ao longo de um ano típico, mencionamos a importância de que os diagnósticos culturais contemplem questões sobre ética, governança corporativa e sustentabilidade, bem como sobre gestão da estratégia, de processos e de pessoas, lembrando que em todas essas disciplinas, o relacionamento com  stakeholders pode ser crucial para o sucesso (ou o insucesso) da organização.

Por fim, acreditamos que pouco se discute cultura nos conselhos administrativos de empresas no Brasil e em outros países, mas também temos a convicção de que este quadro pode mudar. Os conselhos de administração e, de forma mais ampla, o sistema de governança das organizações da economia são construções dinâmicas e que evoluem, assim como os seres humanos e as regras do jogo que eles criam.

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