sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Caso Dodges x Ford: visões de curto x longo prazo de sócios


A Ford Motor Company, fabricante de automóveis mais conhecida ao redor do Planeta como Ford, foi criada em 1903, em Detroit, Michigan (EUA), por Henry Ford, então com 39 anos, e outros acionistas, entre os quais os irmãos e engenheiros John Francis Dodge e Horace Elgin Dodge. Os irmãos Dodge eram do ramo automotivo, ajudaram na construção da fábrica da Ford e, em 2014, criaram seu primeiro automóvel, o Dodge, em Detroit.

Ao longo de anos, o processo de fabricação de automóveis pela Ford e outras montadoras foi artesanal, sendo produzidos poucos veículos por dia pelos empregados. Entretanto, em 1913, Ford revolucionou seu processo produtivo, criando a primeira linha de montagem de automóveis. A inovação fez o preço do produto baixar, permitindo maior acesso de pessoas ao uso do automóvel. O conceito de linha de montagem foi tão importante que terminou sendo incorporado por todas as indústrias de automóveis, permanecendo atual.

Em 1916, ano em que a Ford teve ótimo desempenho econômico-financeiro, Henry Ford, acionista controlador, determinou uma mudança na política de dividendos até então adotada: parte dos lucros da Companhia não seria distribuída, sendo direcionada para investimentos em capacidade de produção, aumento de salários de trabalhadores e um fundo de reserva para fazer face à redução inicialmente esperada nas receitas, em função da queda os preços dos automóveis a serem produzidos. A decisão foi tomada pelo conselho de administração da Ford.

Em defesa dessa decisão, Ford argumentou que sua ambição era expandir a produção industrial, contratando mais empregados, a fim de que seu produto alcançasse o maior número possível de pessoas, ajudando-as a terem melhores vidas e melhores lares. Para tanto, seria necessário utilizar parte dos recursos a serem pagos como dividendos aos sócios da Companhia.

Os acionistas não controladores John e Horace Dodge não aceitaram a decisão e a contestaram judicialmente. O caso Dodges x Ford chegou à Suprema Corte do Estado de Michigan, cuja decisão, tomada em 1919, isto é, três anos após o anúncio do corte de dividendos, foi favorável aos Dodges. O argumento usado pela Corte foi: a empresa existe para beneficiar seus acionistas, cabendo aos dirigentes corporativos a decisão sobre como alcançar tal propósito.

O julgamento do caso Dodges x Ford permite análises e reflexões sob vários enfoques. A primeira análise diz respeito ao embate entre o modelo financeiro de governança (ler Quais são os principais fundamentos do modelo financeiro de governançacorporativa?), focado nos retornos econômico dos sócios, e o modelo dos stakeholders (Quais são os principais fundamentos do modelo dos stakeholders degovernança corporativa), do qual emergem conceitos como ética e responsabilidade social. A decisão da Suprema Corte de Michigan foi consistente com o primeiro modelo.

O embate Dodges x Ford também diz respeito às diferenças que podem haver entre os interesses dos sócios de uma empresa. A decisão de Ford ia além da ideia de criar empregos e disseminar o uso do automóvel entre os empregados e a sociedade: ele vislumbrou a possibilidade de expandir o parque produtivo para fazer o custo dos automóveis baixar e vender mais veículos ao longo do tempo. Seria um projeto de investimento com visão estratégica e de longo prazo, típico das corporações atuais. Entretanto, cabe lembrar: os Dodges, em 2014, criaram seu primeiro automóvel e talvez os dividendos a receber fossem importantes para o seu negócio; esta é uma hipótese a ser comprovada.

Por fim, o caso Dodges x Ford também permite uma reflexão sobre o aparato institucional – o Poder Judiciário dos EUA. Ao se posicionar a favor dos irmãos Dodge, a Suprema Corte de Michigan não deixou de privilegiar o lado supostamente mais frágil da composição acionária da Ford: o dos sócios não controladores. Ainda que em anos futuros, as decisões das cortes estadunidenses tenham evoluído em prol de reconhecer a validade da responsabilidade social corporativa.