sábado, 27 de dezembro de 2025

2025 e a rede policêntrica de poderes


O ano de 2025, fechando 25% deste século XXI, encerra-se legando ao futuro um desenho mundial marcado por uma rede policêntrica de poderes, formada por centros de diferentes funções, tamanhos e capacidades. Trata-se de uma arquitetura dinâmica, caracterizada por assimetria, interdependência, mútuas influências e instabilidade.

Nesse ambiente, o poder deixa de ser definido apenas pelo tamanho do território, da população ou da força militar. Passa a depender também do controle de fluxos críticos, da posição ocupada na rede, da habilidade de propor estabilidade e da capacidade de condicionar decisões alheias, entre outros fatores, em um sistema complexo para ser entendido.

A policentralidade, se por um lado amplia a diversidade de poder, por outro lado, não elimina o risco sistêmico: choques locais ainda podem se propagar, originando crises difíceis de conter. A assimetria de poderes pode produzir zonas de contenção e equilíbrio regional, mas também gerar instabilidade difusa, competição permanente e ausência de coordenação eficaz em momentos críticos.

Em um sistema policêntrico, a dependência assimétrica de rotas críticas, fornecedores específicos e mercados financeiros interconectados pode fazer com que um evento localizado produza efeitos em cascata, elevando preços, pressionando cadeias produtivas e gerando respostas descoordenadas entre centros de poder distintos. O resultado pode ser, simultaneamente, a contenção regional do conflito e a disseminação global de incerteza econômica. E este é apenas um exemplo do que pode ocorrer nessa fascinante rede policêntrica de poderes.

EUA

Os Estados Unidos seguem, ao final de 2025, exercendo forte influência na rede policêntrica, especialmente por meio da definição de regras financeiras, regulatórias e de suas bases tecnológicas. Os mercados financeiros norte-americanos continuam estruturando, em grande medida, fluxos globais de capital, e o dólar, embora crescentemente desafiado em transações específicas, ainda mantém sua hegemonia funcional. A capacidade militar é outro elemento de peso que caracteriza esse centro de poder.

Ao mesmo tempo, os EUA convivem com pressões econômicas internas: crescimento da dívida pública, déficits fiscais persistentes e dificuldades políticas para ajustes estruturais. A desindustrialização relativa em setores estratégicos expõe vulnerabilidades produtivas e de emprego, levando à adoção de políticas de reindustrialização e proteção seletiva.

No plano externo, ganha relevo, na visão de analistas, uma reinterpretação contemporânea da Doutrina Monroe, como estratégia de priorização regional. Diante dos custos da liderança global, os EUA parecem pretender a concentração de esforços em seu entorno estratégico imediato, de maneira a melhor governar limites de influência em um mundo policêntrico.

Comunidade Europeia

A União Europeia exerce poder normativo relevante, definindo padrões regulatórios, ambientais e de governança próprios que afetam empresas e mercados muito além de suas fronteiras. Seu mercado funciona como polo de grande atenção regulatória global.

Esse poder convive com tensões políticas internas, dependência energética e dificuldades de coordenação estratégica. A fragmentação decisória, mesmo em presença do conceito de união de países, pode limitar respostas rápidas a crises geopolíticas e econômicas.

Em um mundo policêntrico, a UE governa sobretudo o “como” os negócios devem ser feitos, mas demonstra enfrentar dificuldades para influenciar fluxos globais, revelando a necessidade de se ter poder normativo, mas com estratégia geopolítica bem definida e sólida.

BRICS - Alguns centros de poder

Começando pelo "B" de BRICS, o Brasil ocupa posição singular no sistema policêntrico, como nó estrutural de estabilidade. Potência agroalimentar, ambiental e energética, com matriz relativamente limpa e diversificada, o País integra cadeias globais essenciais em um mundo marcado por insegurança alimentar, transição energética e instabilidade logística. Em um contexto de choques frequentes, o Brasil não atua como gerador de ruptura, mas como fornecedor sistêmico de continuidade, característica cada vez mais valiosa na rede global.

Além disso, a combinação entre recursos naturais estratégicos, capacidade produtiva em escala, base científica relevante e potencial de expansão coloca o Brasil em posição privilegiada para responder a demandas globais de curto, médio e longo prazo. O País não se apresenta como um mero exportador de commodities, sendo suas potencialidades de maior desenvolvimento econômico elevadas.

No plano diplomático, a tradição de uma política externa multivetorial e a ausência de postura expansionista conferem ao Brasil credibilidade como ator de diálogo e mediação. O País conecta interesses diversos sem impor hegemonia, mantendo canais abertos com múltiplos centros de poder. Em um mundo em rede policêntrica, essa capacidade de conectar sem polarizar constitui uma forma sofisticada de poder funcional.

Ao mesmo tempo, desigualdades socioeconômicas persistentes, fragilidades institucionais e desafios de governança interna impõem limites claros à projeção estratégica brasileira. Transformar potencial estrutural em influência duradoura exige avanços consistentes em coesão social, previsibilidade institucional e segurança jurídica. A jornada brasileira passa por resolver entraves internos, condição indispensável para consolidar seu papel como pilar estável da rede policêntrica.

A Rússia mantém relevância no sistema policêntrico por meio de um modelo de resiliência estratégica, construído sobre a combinação de recursos energéticos, capacidade militar e disposição para sustentar custos elevados em cenários de tensão prolongada. Seu poder talvez esteja, em grande medida, na capacidade de condicionar decisões de outros centros, especialmente em contextos de instabilidade regional.

O controle de recursos energéticos críticos (no bojo de um território gigantesco), a influência sobre rotas de abastecimento e a presença militar em áreas sensíveis conferem à Rússia poder de imposição indireta. Não se trata de liderar o sistema internacional, mas de afetar significativamente os cálculos estratégicos de outros atores, obrigando-os a considerar custos adicionais em suas decisões políticas, econômicas e de segurança.

O principal desafio russo talvez resida na sustentabilidade econômica e tecnológica de longo prazo, diante de restrições de acesso a mercados (e sanções). Ainda assim, em um mundo em rede policêntrica, a Rússia demonstra que persistir, resistir e impor limites constitui forma relevante de exercício de poder, especialmente em contexto da coordenação global complexa.

A Índia emerge como um dos mais relevantes centros intermediários do sistema policêntrico, combinando escala populacional, crescimento econômico e senso de autonomia estratégica. Diferentemente de potências alinhadas a blocos rígidos, atua de forma pragmática, preservando margem de manobra diplomática e priorizando interesses nacionais de longo prazo.

Em setores como tecnologia da informação, serviços avançados, indústria farmacêutica e manufatura em transição, a Índia torna-se destino estratégico para investimentos que buscam diversificação produtiva, redução de riscos geopolíticos e maior resiliência das cadeias globais.

No plano geopolítico, a Índia exerce papel central no Indo-Pacífico, região que concentra disputas estratégicas no século XXI. O desafio indiano está em conciliar crescimento acelerado com inclusão social, infraestrutura adequada e estabilidade institucional, condições essenciais para sustentar sua influência no longo prazo.

A China avança como possivelmente o maior centro produtivo e logístico do mundo, sustentada por uma visão estratégica de longo prazo. Seu poder tem residido na capacidade de organizar grandes fluxos de produção, infraestrutura e financiamento, conectando regiões por meio de investimentos estruturais.

A iniciativa das Novas Rotas da Seda (Belt and Road Initiative) cria uma arquitetura geopolítica própria, baseada em interligações físicas, logísticas e financeiras. Em um mundo em rede policêntrica, quem governa fluxos econômicos impacta a fundo o ritmo do sistema.

Possivelmente, o principal desafio chinês é o de sustentar tal avanço sem comprometer a estabilidade interna, diante da necessidade de lidar com o envelhecimento populacional (que também preocupa outros povos) e da necessidade de transição de um modelo de crescimento intensivo para outro mais equilibrado, entre outras demandas.

O Irã, também integrante do BRICS, ocupa uma posição singular na rede policêntrica, por exercer um poder baseado em geografia. A capacidade de controle do Estreito de Ormuz – rota crítica por onde transita parcela relevante do petróleo mundial – confere ao País um poder sistêmico imediato, desproporcional à escala econômica do País. O caso iraniano ilustra que, no mundo em rede policêntrica, controlar gargalos estratégicos pode ser fator de poder.

Outros centros, a ONU e o BRICS vistos conjuntamente

Centros aqui não explorados por exiguidade de espaço são também muito importantes na rede policêntrica de poderes, como África do Sul, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Indonésia, Turquia, Japão e Coreia do Sul (alguns desses países integram o BRICS). Sustentam o sistema com poderes funcionais específicos, lembrando que especialização estratégica pode valer tanto quanto escala.

Nesse contexto brevemente delineado, tanto a Organização das Nações Unidas (ONU) quanto o BRICS – aqui destacados entre outros organismos multilaterais – revelam possibilidades e limites da governança global em um mundo em rede policêntrica de poderes.

A ONU, bem mais antiga, permanece como fórum indispensável de legitimidade, diálogo e coordenação normativa, enfrentando, todavia, grande dificuldade para produzir decisões eficazes diante da fragmentação do poder e, principalmente, do desalinhamento entre seus membros centrais, à luz de regras do pós-Segunda Guerra Mundial.

O BRICS, mais recente e de natureza essencialmente econômica e não militar, emerge como espaço de coordenação pragmática entre grandes economias, refletindo a busca por maior autonomia estratégica, diversificação de parcerias e redução de dependências sistêmicas. Pode-se dizer que ainda se encontra em consolidação, não sendo necessariamente fácil o alinhamento entre seus membros.

Ambos, ONU e BRICS, não substituem uma governança global coesa, ainda inexistente no Planeta, mas expressam, cada um a seu modo, tentativas de organizar cooperação e influência em um sistema internacional descentralizado, assimétrico e instável.

O mundo que chega a 2025, a governança e a sustentabilidade

Vista de topo, a rede policêntrica de poderes que chega a 2026 não é necessariamente caracterizada por hierarquização, em que pesem as fortes influências entre alguns centros de poder ou as interdependências percebidas. Ao mesmo tempo, pode-se afirmar que tal rede existe e é dinâmica, sendo também instável.

Nesse ambiente, prosperarão Estados e empresas capazes de governar sua posição na rede, decidir corretamente sob incerteza e lidar com a instabilidade por meio de boa direção estratégica.

A governança corporativa, nesse contexto, mais do que nunca deixa de ser controle do passado e reforça a governança da estratégia. Isso implica ter propósito, princípios, administração estratégia robusta – integrando governança e gestão – e a incorporação de riscos geopolíticos, reduzindo dependências críticas e protegendo decisões de longo prazo.

Governança econômica, social e ambiental, entre outros eixos da governança corporativa, permanecem essenciais, mas revelam-se insuficientes, se descolados da governança estratégica. Aliás, ESG sem estratégia não protege organizações de choques sistêmicos. E em um contexto em que siglas como ESG podem se enfraquecer, a palavra “sustentabilidade” parece ser o foco das sociedades que desejam realmente produzir um mundo mais sustentável.

Mônica Mansur Brandão