quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Governança corporativa e seus eixos integrados


Em tempos de complexidade organizacional, a governança corporativa representa um sistema abrangente de liderança, controle e alinhamento institucional, que se manifesta por meio de eixos funcionais integrados – estruturas funcionais temáticas e especializadas que dão vida à estratégia e criam coerência entre propósito, ética e resultado.

Governança corporativa é o sistema que orienta, dirige e monitora as organizações, com o objetivo de gerar valor sustentável para os sócios e para a sociedade – assim preconiza o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), em sua 6ª edição (2023). A governança define o propósito da organização, princípios norteadores e grandes diretrizes organizacionais.

Como a governança corporativa é operacionalizada no cotidiano? Certamente, por meio de estratégias (corporativas e de negócios), estruturas (conselhos, comitês e outras), processos (críticos), projetos (iniciativas estratégicas) e pessoas (seres humanos merecedores de dignidade e respeito), elementos que integram a chamada arquitetura da organização, isto é, o seu desenho ou projeto, intercoordenados por modelos de gestão sustentáveis.

Ao mesmo tempo, os esforços de governança exigem a orquestração de eixos funcionais integrados, correspondentes a níveis específicos de governança temática, os quais atuam sob o guarda-chuva da governança corporativa, traduzindo propósito e princípios em prática e performance.

Da Noção de Sistemas aos Eixos Funcionais

Em 2004, em pesquisa de mestrado (Governança Corporativa e a Influência dos Acionistas Minoritários no Sistema de Decisões Estratégicas, Considerações Finais, p. 177-178), propusemos o que então chamamos de sistemas de governança, focalizando 10 entre outros. Tais sistemas eram, na realidade, componentes de um sistema maior – a própria governança corporativa.

Passadas mais de duas décadas, o cenário evoluiu e com ele, a nossa visão. A complexidade empresarial e o avanço tecnológico ampliaram o espectro de temas que passaram a integrar a pauta dos conselhos de administração e das diretorias executivas, aumentando significativamente os seus desafios: Inovação, Pessoas, Compliance, Tecnologia da Informação, Inteligência Artificial, Dados, Riscos, e outros domínios tornaram-se dimensões indissociáveis da boa governança.

Por isso, as expressões eixos funcionais temáticos, eixos funcionais integrados, eixos funcionais, eixos temáticos e eixos integrados (aqui consideradas sinônimas) revelam atualmente uma visão mais integrativa, transversal e dinâmica da arquitetura de governança contemporânea. Diferentemente da ideia de sistemas, que sugere estruturas autônomas e estanques, os eixos em questão representam linhas de sustentação e interconexão do sistema de governança, que operam em harmonia sob um mesmo propósito e princípios institucionais.

Principais Eixos Funcionais Integrados da Governança

São eles, em nossa visão atual, de maneira não exaustiva:

1. Governança de Estratégia

O cérebro institucional. Define o propósito, as diretrizes e a coerência entre o pensar e o agir. Estabelece as iniciativas estratégicas que conduzem a organização do presente ao futuro.

2. Governança de Inovação

O motor da transformação. Fomenta criatividade, adaptação e desenvolvimento disruptivo, convertendo mudança em vantagem competitiva.

3. Governança de Capital Humano (Pessoas)

O coração organizacional. Desenvolve liderança, cultura e sucessão infraorganizacional. Transforma estratégia em comportamento e princípios em atitudes.

4. Governança Econômico-Financeira

O eixo econômico e financeiro da perenidade. Controla, racionaliza e equilibra a gestão de recursos, assegurando solidez e sustentabilidade financeira.

5. Governança Socioambiental

A consciência institucional. Assegura que o crescimento ocorra em equilíbrio com o meio ambiente, a sociedade e as futuras gerações, sendo o elo ético entre o lucro e o legado.

6. Governança Jurídica

A primeira camada de alicerce normativo. Garante legitimidade, proteção legal e segurança institucional. Sustenta o direito de existir e de agir dentro dos marcos constitucionais e legais.

7. Governança Regulatória

A segunda camada de alicerce normativo. Assegura aderência a regulações setoriais, prevenindo riscos e mantendo a conformidade dinâmica.

8. Governança de Compliance

O eixo da integridade. Consolida ética, conformidade e transparência como valores operacionais, prevenindo desvios e fortalecendo a reputação.

9. Governança de Riscos

O sistema imunológico da organização. Identifica, analisa e mitiga riscos estratégicos, operacionais e regulatórios. É o elo entre prudência e ousadia.

10. Governança de TI

A base tecnológica. Assegura infraestrutura, segurança da informação e eficiência digital, alinhando tecnologia à estratégia corporativa.

11. Governança de IA

A inteligência emergente. Regula o uso ético e responsável da Inteligência Artificial, garantindo que o poder algorítmico permaneça a serviço do humano.

12. Outros eixos que também sejam importantes para a organização considerada.

Embora apresentados de forma sequencial, os eixos funcionais da governança corporativa deste artigo não obedecem a uma ordem de importância. Cada um exerce um papel essencial e interdependente na construção da integridade e da perenidade institucional.

A força da governança não está em priorizar um eixo sobre outro, mas em fazer com que todos funcionem em harmonia, sustentando a coerência entre propósito, estratégia e execução. Em última análise, a maturidade de uma organização depende menos de qual eixo lidera o movimento e mais de como todos se articulam sob o mesmo propósito de criar valor com ética e sustentabilidade.

Acima da Soma das Partes

Importante dizer que a governança corporativa não é apenas a coordenadora dos eixos anteriormente apresentados: é a instância suprema que define o propósito, os valores e a direção estratégica da organização. Enquanto cada eixo funcional atua em sua especialidade, é a governança que reflete sobre o todo, conecta as inteligências funcionais e harmoniza suas ações em torno de uma visão única. É ela que responde, em última instância, pela reputação, integridade e geração de valor sustentável.

A governança corporativa contemporânea é sistêmica, inteligente e integrada. Governar uma organização, nesse contexto, é alinhar o todo sem perder a inteligência das partes, garantindo coerência entre valores, estratégia e resultados.

A maturidade da governança se mede pela capacidade de estruturar as dimensões de sua arquitetura, harmonizando, ao mesmo tempo, seus eixos funcionais e transformando propósito, princípios, decisões e diretrizes em resultados sustentáveis. Organizações que compreendem essa lógica integrada sobrevivem e, mais do que isso, evoluem.

Concluímos observando que a governança é o código-fonte da perenidade. É o elemento que distingue organizações que simplesmente existem daquelas que inspiram confiança, constroem valor e criam uma obra que ecoe no tempo. Em um mundo de mudanças céleres, uma boa governança é um passo crucial para a construção de um bom futuro.


Mônica Mansur Brandão


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