Poucas palavras são tão usadas – e mal compreendidas – quanto estratégia. Isso é compreensível, pois o termo se trata de um constructo, ou seja, de uma categoria que requer o estudo de várias perspectivas, a fim de que se possa compreender como o tema estratégia vem sendo tratado com o passar do tempo.
O livro Safári da Estratégia, publicado por Henry Mintzberg, Bruce Ahlstrand e Joseph Lampel, é um clássico sobre várias perspectivas de formulação da estratégia e não pode deixar de ser lido por quem se interessa pelo tema. E várias outras obras têm sido escritas sobre estratégia, com preciosas visões, sendo também relevante sua leitura – inclusive obras com visões posteriores ao levantamento do livro citado.
A quem pretende estudar o tema estratégia de forma aprofundada, sugerimos iniciar essa longa jornada por Safári da Estratégia, que permite ao leitor ter uma visão inicial da floresta da formulação estratégica, para depois se aprofundar em suas variadas espécies e árvores.
Estratégia e alguns parâmetros para sua construção
Organizações requerem diuturnamente decisões e recursos, mas somente aquelas com estratégia (por vezes, implícita, isto é, sem estar escrita) sabem por que e para onde rumam, em busca de um futuro a ser criado.
Correndo o risco da simplificação, entendemos a estratégia como um caminho conscientemente escolhido, sob condições de incerteza, mas baseado em parâmetros a seguir delineados, ainda que de forma não exaustiva. De maneira simples, a estratégia é um caminho que busca, a um só tempo, preservar e renovar a organização.
Estratégias podem ser corporativas, isto é, para um grupo de negócios, bem como por negócio de um grupo. Frequentemente, negócios distintos podem estar abrigados em empresas distintas, mas não necessariamente.
Como parâmetros comuns às estratégias corporativas e de negócios, anotamos:
1) Propósito – o porquê e o para quê da existência institucional dos negócios;
2) Princípios éticos – parâmetros que norteiam a atuação institucional;
3) Coerência – alinhamento entre princípios, planos e sua execução;
4) Tempo – cadência de execução dos planos, na medida das necessidades e com recursos possíveis;
5) Negócios – definição / redefinição das ofertas de valor ao mercado que fazem sentido para toda a organização, vista de forma integrada;
6) Recursos – alocação de recursos financeiros e outros para otimizar a operação do todo; e,
7) Criação de valor – o todo deve operar conjuntamente criando valor para os sócios, mas não apenas para eles, já que existem expectativas de outros stakeholders também a ser consideradas.
Como principal parâmetro de uma estratégia corporativa, consideramos a busca de sinergias – se houver empresas holdings / controladas / coligadas, estas devem criam maior valor econômico do que as partes isoladamente consideradas. Tal valor é consolidado em nível da holding principal (empresa-mãe).
Por fim, como parâmetros inerentes às estratégias específicas para negócios, decorrentes dos parâmetros anteriormente apresentados, apontamos:
1) Posicionamento – posição do negócio, considerando os interesses do todo e o mercado;
2) Direção – para onde se orientam recursos e esforços no negócio;
3) Vantagem competitiva – vantagem em relação a concorrentes;
4) Vantagem comparativa – vantagem em relação a organizações comparáveis, em setores monopolistas e muito regulados.
A estratégia – corporativa ou por negócio – estabelece uma ponte entre o propósito e a ação, além de criar um fio invisível entre passado, presente e futuro. Emerge do propósito, observa princípios éticos, sustenta-se na coerência, ao longo do tempo, por vezes considerando mais de um negócio organizacional. Deve criar valor para vários stakeholders e, seja corporativamente, seja por negócio, fazer sentido.
Destaca-se que estratégias não se tratam de meros planos de sobrevivência ou competitivos, mas de escolhas, que revelam não apenas uma direção escolhida, mas também – ainda que implicitamente – direções não escolhidas.
Administração da estratégia em dois planos distintos
As estratégias corporativas e de negócios se materializam em dois níveis:
1) Governança da estratégia – determina e busca assegurar os elementos comuns e específicos das estratégias corporativa e de negócios. Envolve conselhos de administração e diretorias executivas, tanto da holding corporativa quanto das demais organizações de um grupo empresarial.
2) Gestão da estratégia – além de elaborar estudos e propor ideias para a governança da estratégia, é responsável pela execução de estratégias, pela alimentação do controle informacional e por correções de rota em seu nível, além da proposição de grandes correções em nível da governança. Envolve diretorias executivas e todas as demais estruturas e profissionais do grupo empresarial considerado.
Note-se que as diretorias executivas estão presentes em ambos os planos, governança e gestão. E que quando existir conflitos sérios entre estas e conselhos de administração (quando existem), a organização poderá estar sob risco considerável. Desalinhamentos destroem valor e podem destruir negócios.
O conjunto dos dois planos, mesmo em organizações sem conselhos de administração – que aliás podem ter, alternativamente, conselhos consultivos, mais adequados talvez ao seu momento institucional – constitui o que aqui denominamos administração da estratégia.
A administração da estratégia cria, inevitavelmente, um ciclo de aprendizado organizacional, que vai do topo à base das operações organizacionais, e que também opera no sentido oposto, quando a comunicação organizacional tem boa qualidade.
Governança e gestão da estratégia criando direção e sentido
Líderes organizacionais maduros compreendem que governança sem gestão é discurso sem entrega, e que gestão sem governança é procura de eficiência sem direção e sentido. E há operações sob governança equivocada – aquela que supõe que o futuro repetirá o passado. Mas o mundo muda e as mudanças têm sido aceleradas.
A boa administração da estratégia conduz ao encontro correto entre concepção e execução. Governar a estratégia é preservar o rumo e assegurar coerência. Gerir a estratégia é converter esse rumo em resultados concretos. E administrar a estratégia requer concatenar governança e gestão, a fim de que ambas coexistam em harmonia, gerando direção, sentido e aprendizado contínuo.
A maturidade organizacional emerge quando governança e gestão deixam de ser instâncias hierárquicas, tornando-se duas formas complementares de inteligência a serviço do propósito e atentas a princípios de atuação. A administração da estratégia mantém viva as organizações e suas almas e quando o propósito, os princípios e as ações se encontram em coerência, a estratégia deixa de ser um conjunto de documentos organizacionais, para se tornar um caminho consciente em movimento.
Mônica Mansur Brandão
Leituras Sugeridas sobre Estratégia
Para quem deseja se aprofundar no tema, apresentamos uma seleção não exaustiva de obras sobre estratégia. São livros que dialogam entre si, oferecendo visões complementares sobre pensamento estratégico, governança corporativa, vantagem competitiva e execução com propósito:
Collis, David; Montgomery, Cynthia. Corporate Strategy: A Resource-Based Approach. Examina a estratégia corporativa sob a ótica da teoria dos recursos, ajudando a compreender como holdings e grupos empresariais criam valor.
Hamel, Gary; Prahalad, C. K. Competindo pelo Futuro. Introduz o conceito de competências essenciais (core competences) e de visão de futuro como vantagem estratégica sustentável.
Johnson, Gerry; Scholes, Kevan; Whittington, Richard. Exploring Strategy. Um dos manuais mais adotados no mundo, combina teoria, prática e estudos de caso, oferecendo uma visão holística da gestão estratégica.
Kaplan, Robert S.; Norton, David P. Alinhamento: Usando o Balanced Scorecard para Criar Sinergias Corporativas. Um guia prático e essencial sobre a integração entre formulação, execução e governança estratégica, com foco no alinhamento de objetivos e desempenho.
Kim, W. Chan; Mauborgne, Renée. A Estratégia do Oceano Azul. Propõe a criação de novos espaços de mercado por meio da inovação de valor — um marco sobre como romper padrões competitivos tradicionais.
Lafley, A. G.; Martin, Roger. Playing to Win: How Strategy Really Works. Obra que traduz a estratégia em escolhas práticas, orientando empresas sobre onde e como competir de forma disciplinada e vencedora.
Mintzberg, Henry; Ahlstrand, Bruce; Lampel, Joseph. Safári da Estratégia: Um Roteiro pela Selva do Planejamento Estratégico. Clássico que apresenta as dez escolas do pensamento estratégico e convida o leitor a compreender a complexidade e a evolução do conceito de estratégia.
Osterwalder, Alexander; Pigneur, Yves. Business Model Generation: Inovação em Modelos de Negócios. Um manual sobre criação de valor, inovação e modelagem estratégica de negócios.
Porter, Michael E. Estratégia Competitiva: Técnicas para Análise de Indústrias e da Concorrência. A obra que consolidou o pensamento estratégico moderno. Introduz as cinco forças competitivas e a lógica da vantagem estrutural.
Porter, Michael E. Vantagem Competitiva: Criando e Sustentando um Desempenho Superior. Complementa o livro anterior, abordando a cadeia de valor, diferenciação e sustentabilidade estratégica.
Rumelt, Richard. Good Strategy, Bad Strategy: The Difference and Why It Matters. Um dos livros mais lúcidos da atualidade. Mostra que uma boa estratégia é, antes de tudo, clareza de pensamento e coerência entre diagnóstico e ação.
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