segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Governança, gestão e liderança na Enterprise do Capitão Kirk

 

A USS Enterprise, da famosa e icônica série de TV Star Trek – a originalmente divulgada aos seus milhões de fans pelo Planeta – não é apenas uma nave espacial fictícia: trata-se de uma metáfora poderosa para refletir sobre governança, gestão e liderança em tempos de transformação acelerada. Criada nos anos 1960, no auge da Guerra Fria, a série mostrou que explorar o desconhecido pode ser também uma forma de pensar sobre os desafios das organizações contemporâneas.

No centro dessa expedição intergaláctica, o Capitão James T. Kirk (vivido pelo ator William Shatner) assumia o papel equivalente ao de um CEO, responsável por manter a tripulação unida e a missão coerente com o propósito e os princípios da Federação dos Planetas Unidos, em meio a situações difíceis e por vezes, quase intransponíveis.

A governança da Enterprise advinha da Federação e da Frota Estelar, que estabeleciam princípios, limites éticos e regulamentos. E havia um propósito implícito: afirmar que a convivência pacífica, a cooperação entre povos distintos e o respeito às diferenças eram caminhos mais poderosos do que a conquista ou a dominação. A célebre Primeira Diretriz, que proibia interferência em civilizações em desenvolvimento, expressava princípios universais que davam legitimidade às missões da nave Enterprise.

Esse arcabouço institucional funcionava como o mapa de navegação da expedição. Não bastava chegar mais longe; era preciso chegar de forma correta, mantendo a integridade da missão. O propósito egresso do ambiente de governança, ainda que implícito na série, era visceral: assegurar que, mesmo em situações de risco extremo, as decisões refletissem uma perspectiva mais elevada e princípios éticos capazes de inspirar confiança e construir relevância de longo prazo.

A gestão, por outro lado, se materializava a bordo da Enterprise. Era o cotidiano da ponte – e de toda a nave –, com seus oficiais em ação, que operacionalizavam o propósito e os princípios na prática. Cabia ao capitão Kirk distribuir funções, tomar decisões rápidas diante de ameaças inesperadas, coordenar a execução dos planos e assegurar a disciplina da tripulação. Essa dimensão correspondia ao plano operacional das organizações contemporâneas: transformar diretrizes estratégicas em planos, rotinas e entregas concretas.

Nessa lógica, o Capitão Kirk era claramente o CEO da Enterprise. Traduzia as diretrizes da governança em ações, conciliando a lógica de longo prazo da Federação com as urgências imediatas da nave. Como um líder contemporâneo, precisava equilibrar fidelidade a princípios com a necessidade de resultados, reinterpretando normas em contextos inéditos e assumindo riscos em nome da missão.

Seu estilo de liderança se caracterizava pela fusão de prudência e audácia. Kirk arriscava manobras ousadas, explorava soluções criativas e, por vezes, chegava a desafiar protocolos, mas sempre com os olhos fixos no propósito e nos princípios maiores, ouvindo seu time, ainda que no modelo de gestão da Enterprise, ele fosse a voz final das decisões críticas. Em empresas do mundo contemporâneo, o nível de colegialidade se mostra bem mais elevado, diga-se.

Um ponto notável da Enterprise era a diversidade da tripulação. Em plena Guerra Fria, quando o mundo vivia dividido entre blocos ideológicos e marcado por tensões raciais, a ponte da Enterprise reunia personagens como o Sr. Spock (Leonard Nimoy), um inesquecível ser híbrido, meio humano e meio vulcano, Hikaru Sulu (George Takei), asiático, Pavel Chekov (Walter Koenig), russo, Uhura (Nichelle Nichols), negra, Dr. Leonard McCoy (DeForest Kelley), médico, e Montgomery Scotty (James Doohan), engenheiro-chefe.

A diversidade não era apenas um detalhe narrativo: era um manifesto de que o futuro só seria viável se fosse plural e inclusivo. E tal diversidade era totalmente funcional. Spock oferecia lógica e cálculo e os demais integrantes proviam, com seus conhecimentos, inteligência de navegação. Cada voz trazia um olhar distinto, especial e essencial. Os integrantes da ponte eram, de certa forma, executivos C-Level, suportados por instrumentos que os proviam com informações, por eles interpretadas em prol de todos. O papel de Kirk não era abafar diferenças, mas integrá-las em uma expedição coerente, em que cada talento fazia a diferença.

Lidar com a incerteza era rotina na Enterprise. Explorar o espaço significava enfrentar riscos inesperados: culturas alienígenas, dilemas éticos, ameaças tecnológicas. Nesses cenários, o capitão Kirk não podia esperar por todas as respostas. Precisava decidir e, por vezes, com informações incompletas, conciliando análises racionais, emoções humanas e sua própria intuição. O ambiente de trabalho de Kirk lembra o de muitos líderes de hoje, imersos em mercados voláteis e complexos.

A cultura da nave também era marcante: havia espaço para divergência e debate franco, mas uma vez tomada a decisão, a execução era firme. Esse equilíbrio entre liberdade de expressão e disciplina coletiva refletia uma organização adaptativa, capaz de inovar sem perder coesão. É o que chamamos, nas empresas, de cultura de confiança: crítica aberta combinada com alinhamento operacional.

A governança fornecia propósito e princípios, a gestão assegurava execução e os integrantes da jornada assimilaram a fundo o seus papeis. A missão não era apenas cumprir ordens, mas explorar novos mundos, buscar novas vidas, expandir fronteiras, motivando a tripulação a enfrentar riscos extremos com engajamento e resiliência.

O modelo narrativo de Star Trek foi concebido por Gene Roddenberry, roteirista da série. Ex-piloto da Força Aérea, Roddenberry acreditava que a ficção podia servir como ferramenta para repensar a sociedade. Ao imaginar uma Federação fundada em princípios universais e uma tripulação diversa em plena Guerra Fria, ele projetou um futuro aspiracional, no qual a liderança não se baseava em poder bruto, mas em legitimidade, cooperação e diversidade.

Assim, a Enterprise não era apenas uma nave, mas uma expedição de futuro. Suas viagens representavam a travessia das organizações humanas diante da incerteza: navegar em mares desconhecidos, com base em um propósito e em princípios sólidos, com diversidade de visões e conhecimentos e uma liderança capaz de dar sentido à jornada.

Na ponte da Enterprise, Gene Roddenberry não descreveu apenas aventuras espaciais: ele antecipou modelos de governança e gestão que fazem pensar. O Capitão Kirk, CEO, liderava uma expedição em mares desconhecidos, com propósito, princípios e diversidade da tripulação. Exercendo sua liderança em meio a estrelas, planetas e outros corpos celestes, mantendo o rumo e assegurando, em conjunto com todo o time, sentido à Enterprise, aos seus integrantes e ao futuro.


Mônica Mansur Brandão


A seguir, uma das melhores cenas de Star Trek, em que três personagens, Capitão Kirk (ao centro), Sr. Spock (à direita de quem vê a cena) e Dr. McCoy (à esquerda), ao redor de uma pequena fogueira, cantam uma canção. Muitos admiradores da série consideram o momento como marco de fechamento de uma sequência de episódios incríveis (não necessariamente o fim da série).