terça-feira, 2 de junho de 2020

Poderá a emissão de dívida conjunta salvar a UE pós-pandemia?


Plano de recuperação da Comissão Europeia esbarra no cabo de guerra entre grandes contribuidores e grandes beneficiários da União Europeia.

Na quinta-feira, 28 de maio, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, entidade sediada em Bruxelas e que gere os recursos da União Europeia, apresentou seu plano de recuperação econômica da UE pós-pandemia: a controversa emissão de dívida conjunta.

Esse instrumento de financiamento, apelidado de coronabonds, corresponde à emissão de títulos da dívida pública de cada país da UE a uma mesma taxa de juros, evitando taxas de mercado elevadas para os países do Sul, mais afetados pela COVID-19. Coincidentemente, esses países são os maiores beneficiários (net beneficiaries) do orçamento conjunto da EU, ou seja, recebem mais do que contribuem.

Sempre estiveram contra esse mecanismo de financiamento os maiores contribuidores (net contributors) do orçamento da EU, ou seja, os países mais ricos do Norte, que conseguem captar recursos financeiros às taxas de juros mais baixas no mercado.

Leyen pretende mudar a disposição dos países do Norte advertindo o parlamento europeu, onde apresentou seu plano, que os problemas enfrentados pela Europa são graves demais para serem tratados por qualquer país isoladamente.

De acordo com a presidente da Comissão Europeia, “ou seguimos todos cada um por si, deixando países, regiões e pessoas para trás e aceitando uma união de favorecidos e desfavorecidos, ou percorremos esse caminho juntos, damos esse salto à frente, abrimos esse caminho sólido para nossa população e para a próxima geração”. A proposta de Ursula foi batizada de Next Generation EU.

Os argumentos de Ursula von der Leyen encontraram eco na fala da presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, em sua advertência de que a economia da zona do euro encolherá de 8% a 12% em 2020, uma queda duas vezes maior do que a que se seguiu à crise global de 2008, que emergiu no mercado financeiro dos Estados Unidos.

O caminho da proposta de Leyen não é fácil, no contexto de uma Europa dividida e em meio à maior recessão desde a Segunda Guerra Mundial. Há dúvidas sobre a conquista de adesão do grande capital ao plano de recuperação de Leyen.

Forjar um consenso entre os 27 países que formam a União Europeia é uma tarefa econômica e política de alta complexidade. Os estados do Norte, como Áustria e Holanda, são chamados de “frugais” justamente por se oporem a emprestar dinheiro para subsídios, enquanto que capitais do Sul como Roma e Madri pressionam a UE por mais “solidariedade”.

O plano de Leyen prevê que a emissão de dívida conjunta dos países da UE consiga capitar €750 bilhões para a recuperação da economia dos países pós-COVID, sendo que €500 bilhões seriam subsídios aos países mais afetados e 250 bilhões concedidos como crédito aos países da UE. Para cobrir os custos com juros e quitação desses subsídios e empréstimos, a Comissão Europeia também prevê a criação de novos impostos e tributos.

Os principais alvos dos novos impostos e tributos são o mercado de emissão de créditos de carbono do bloco europeu e as grandes empresas. A Comissão calcula que poderá arrecadar €10 bilhões ao ano, taxando as licenças para emitir CO2, e mais €10 bilhões anuais tributando grandes empresas como Facebook e Google. Mas novas fontes de custeio para o orçamento da UE tendem a ser altamente polêmicas entre os governos nacionais. Não está claro se algum desses novos impostos obterá respaldo político suficiente para ser aprovado.

O plano de Leyen também reúne, em um só pacote, o fundo de recuperação de €750 bilhões com o próximo orçamento de sete anos do bloco, de ao menos €1,1 trilhão, que deverá entrar em vigor no início de 2021. Mas nem esse orçamento foi aprovado ainda pelos líderes da UE.

A indecisão a respeito do orçamento de sete anos do bloco europeu, somada ao Brexit, mostra a que a crise da União Europeia antecede a pandemia COVID-19, mas foi agravada por sua ocorrência. Sem saber o que fazer, a UE nada fez ainda.

Entretanto, o alerta feito pela Comissão Europeia faz sentido: a inação pode levar a UE a um cenário que remete aos tempos de desunião entre seus países membros.

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