domingo, 7 de junho de 2020

Grupo financiado por ONG do Itaú sugere mais IR para a classe média


Alíquotas propostas iriam de 10% a 20% para pessoas com renda superior a R$ 15.675.

A Rede de Pesquisa Solidária começou a operar apenas em abril deste ano, mas já produz boletins com a ambição de afetar políticas públicas, como o boletim Auxílio de R$ 600,00 precisa continuar e pode ser financiado por contribuição emergencial sobre altas rendas, o qual sugere ao governo federal como financiar a prorrogação do auxílio emergencial pago a trabalhadores de baixa renda atingidos pela crise COVID-19.

O grupo é financiado pela Fundação Tide Setubal e pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) entre outros colaboradores. O CEBRAP, por sua vez, é também mantido por representantes do grande capital nacional e internacional, como o Banco Itaú, responsável pela Fundação Tide Setubal, a Ford Foundation, a Open Society Foundation, de George Soros, e a Confederação Nacional da Indústria (CNI), cuja recente reunião com parlamentares em busca de mais financiamento público para inovação foi aqui relatada (Empresários demandam investimento público para inovação e combate à COVID-19).

A Rede de Pesquisa Solidária inspira-se nos think thanks criados e mantidos por grandes conglomerados, em cuja frente apresentam-se pesquisadores de instituições de pesquisas renomadas, inclusive públicas, que têm credibilidade junto ao público e à sociedade.

Entre os pesquisadores citados, estão Úrsula Dias Peres, economista da Universidade de São Paulo (USP), e Fábio Pereira dos Santos, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), responsáveis pela proposta de aumento da alíquota do IR para contribuintes com renda superior a 15.675 reais, em 10% a 20%, que obteve espaço de divulgação no jornal Estado de São Paulo.

Outro pesquisador participante dos trabalhos é o sociólogo Ian Prates, do CEBRAP, o qual afirma que o custo mensal do programa de auxílio emergencial não seria muito diferente do atual, já que as restrições impostas pela lei criada para geri-lo deixaram de fora o inacreditável número de 46 milhões de pessoas, invisíveis aos olhos do governo.

A proposta da Rede de Pesquisa Solidária não se trata de taxação sobre grandes fortunas ou de um programa de renda mínima, mas de uma contribuição temporária para pessoas físicas nessa faixa de renda. Tende a gerar fortes reações contrárias nas classes média e média-alta, diretamente atingidas pelo novo imposto. Entretanto, o grupo pode estar mais próximo dos legisladores do que se pensa.

No início de maio, a Instituição Fiscal Independente, grupo ligado à Rede e vinculado ao Senado Federal, estimou que o custo do programa de auxílio emergencial poderá atingir R$ 154 bilhões com o agravamento da crise econômica e o cadastramento de novos beneficiários. A Rede calcula que sua proposta de novo imposto conseguiria arrecadar 142 bilhões de reais em um ano. Os cálculos dos grupos aparentados parecem estar em consonância.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou um relatório no final de maio que indica uma alta taxa de desemprego no Brasil, de 12,6%, bem como uma tendência de aumento no desemprego nos próximos meses. A devastação humana e econômica causada pela crise COVID-19 e o impacto do auxílio emergencial têm levado especialistas em políticas sociais a defender a criação de um programa de caráter permanente, similar à renda mínima, para toda a população.

Com revoltas populares eclodindo no Brasil e pelo Planeta, impulsionadas pela luta contra o racismo e o fascismo, mas rapidamente se voltando contra a exploração econômica, é muito provável que algo tenha que ser feito para evitar uma explosão social no País. É preciso, de fato, socorrer os cidadãos brasileiros necessitados de ajuda em função da crise.

Mas o risco da taxação das classes média e média alta se prolongar por tempo imprevisível parece concreto, em função da elevada incerteza quanto à continuidade da crise COVID-19, bem como do risco de explosão social, o qual não deve ser desconsiderado, caso os cidadãos necessitados do Brasil não sejam protegidos pelo Estado na crise COVID-19.

Adicionalmente, cabe lembrar que o sistema tributário do Brasil é profundamente injusto e em várias frentes. Uma delas tem a ver, aliás, com as classes média e média alta. Uma pessoa com rendimentos de R$ 10 mil, por exemplo, está sujeita à mesma alíquota de imposto de renda de outra com rendimentos de R$ 100 mil, o que é injusto.

O caráter injusto dos tributos no Brasil tem sido reconhecido por profissionais do mercado financeiro. Em 21 de novembro do ano passado, Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, em debate ocorrido na Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA/USP), afirmou que há grande espaço para eliminar “aberrações tributárias” e que o equilíbrio exige a tributação de dividendos pagos a acionistas de empresas, bem como aumentar a tributação sobre heranças e doações, cujas alíquotas são bem inferiores às de outros países.

Chama, primeiramente, a atenção a defesa da tributação de dividendos (não tributados no Brasil, um dos poucos países a não fazê-lo) e de heranças e doações, propostas típicas de políticos de esquerda. Em segundo lugar, destaca-se que em uma visão de longo prazo, onerar a classe média não parece algo razoável a defender.

Contudo, a crise COVID-19 e a necessidade de fundos adicionais a curto prazo pode colocar as classes média e média alta na condição de contribuirem para permitir que muitos brasileiros tenham como sobreviver – e tal sobrevivência é algo absolutamente justo. Durante quanto tempo? Esta é uma boa pergunta.

E quanto às mudanças em dividendos, heranças e doações? E quanto ao alívio da classe média, mais tributada do que a classe média alta? Tais medidas ficarão em status de aguardo, até que os legisladores mudem as regras do jogo nesse sentido. Ou não.

Veja também:

Auxílio emergencial de R$ 600 revela 46milhões de brasileiros invisíveis aos olhos do governo (G1, Globo.com)

Crescimento requer redução dadesigualdade e mais justiça com impostos, diz Armínio Fraga