terça-feira, 1 de março de 2022

Modelos de decisão podem impactar decisões sobre projetos?


Os mecanismos que conduzem a decisões interessam aos conselhos de administração e às diretorias executivas. Tomar decisões reside no cerne de sua atividade profissional.

Considerações iniciais

Este breve artigo ilustra o conteúdo daquele objeto do post Líderes organizacionais e modelos de decisão, cuja leitura recomendamos. Apresenta exemplos de contextos de decisão para dois projetos de investimento A e B hipotéticos, mutuamente excludentes, analisados por especialistas de uma organização empresarial e levados à diretoria executiva e ao conselho de administração para fins de decisão.

Admite-se que os projetos são analisados, em suas potencialidades, pelo comitê de finanças do conselho de administração, antes de levados ao colegiado. Conforme se perceberá, condições específicas relacionadas aos projetos citados podem tornar a decisão mais racional, comportamental, política ou responsável, conforme ilustrado neste artigo.

Decisão racional

O conselho de administração de uma companhia deve decidir entre dois projetos de investimento, A e B, os quais apresentam as informações contidas na tabela 1.1, considerando um cenário estimado como sendo conservador de ingressos de caixa:

Tabela 1.1 
Fluxos de Caixa Líquidos dos projetos A e B

Taxas de desconto: 10% ao ano, para o projeto A, considerado mais arriscado, e de 8% ao ano para o projeto B (taxas supostas consistentes com a política de investimentos da empresa).

A tabela 1.2 apresenta os resultados da avaliação econômica dos projetos:

Tabela 1.2
Resultados da Avaliação Econômica dos projetos A e B

sendo:

VPL = Valor Presente Líquido dos fluxos de caixa líquidos de cada projeto, 
            trazidos ao momento presente (ano zero) à taxa de desconto considerada;

TIR = Taxa Interna de Retorno de cada projeto.

(Informações adicionais sobre esses métodos de avaliação econômica, além de outros, são apresentadas ao final.)

Conforme se observa, sob o prisma da racionalidade econômica, o projeto A é o mais indicado para implementação, apresentando os maiores VPL e TIR.

Se o conselho de administração tomasse sua decisão exclusivamente observando os resultados acima apresentados, a opção seria pelo projeto A. Todavia, condições específicas do contexto da decisão podem mudar substancialmente a escolha, conforme ilustrado a seguir.

Decisão comportamental

O projeto A indicado no exemplo anterior exige a substituição dos atuais parceiros em logística da empresa (o termo logística refere-se, no exemplo, à entrega de produtos aos clientes), em função de sua capacidade de prestação de serviços, mais limitada. Algumas empresas candidatas a novas parcerias foram consultadas para a elaboração dos cálculos apresentados ao conselho e os profissionais dessas organizações se mostram colaborativos e interessados.

Os conselheiros da empresa se dividem em relação à ideia de novos parceiros em logística. Parte deles acredita ser esta uma oportunidade de renovar parcerias e oxigenar o processo de logística (usando o termo empregado por um desses conselheiros). Os demais conselheiros consideram arriscado para a empresa criar, em função do projeto, novas parcerias, dispensando relacionamentos de longo prazo já firmados. Em sua percepção, a substituição de parceiros pode agregar riscos que reduzam o retorno econômico do projeto A.

Os diretor-presidente e os demais diretores executivos manifestam-se em prol da percepção de maiores riscos no projeto A, reforçando que: 1) o poder de barganha da companhia em relação aos atuais fornecedores é maior; 3) a companhia tem relacionamentos de longo prazo com esses parceiros, mesmo não tendo estes a capacidade de atendimento que os novos teriam; e, 3) os custos podem ser maiores do que aqueles considerados no cenário conservador para o projeto A, mas não é possível quantificar até onde eles poderiam chegar; especialmente em um cenário de aquecimento dos preços de logística para os próximos anos.

Cria-se um impasse e o conselho de administração, deliberando sozinho após todas as exposições, opta por adiar a decisão para um momento posterior, a fim de que os conselheiros reflitam sobre o assunto. Adiante, em nova reunião sobre os projetos A e B, o conselho delibera pela realização do projeto B. Aceita, portanto, menor retorno econômico (estimados $ 9 milhões a menor, em valor presente), mesmo considerando que os riscos envolvidos na substituição de parceiros já estão, em tese, precificados na taxa de desconto mais elevada do projeto A (10% ao ano, contra 8% ao ano do projeto B).

Importante: mesmo analisando simulações com taxas de desconto superiores a 10% ao ano, que ainda resultam em VPL´s positivos, o conselho, consensualmente, entende ser prudente a opção pelo projeto B. E por sugestão do diretor presidente, os conselheiros concordam em futuramente testar novos parceiros de logística em projetos, sem substituição de parceiros (ao menos, inicialmente), com vistas a criar novos relacionamentos e ampliar o conhecimento organizacional sobre o mercado dos serviços de logística.

Decisão política

O projeto B, escolha do conselho de administração, conforme descrito acima, exige inicialmente um nível de investimentos que reduz os dividendos a distribuir nesse período (ano zero).

Dois conselheiros, representando um sócio (outra empresa) no conselho de administração, se manifestam contra a implementação do projeto B no timing previsto pelos especialistas que o estudaram. Ocorre que o sócio necessita dos dividendos para investir em outras oportunidades promissoras do seu próprio portfólio de investimentos.

Para lidar com o novo impasse, o conselho de administração, com base em uma nova rodada de estudos elaborados pelos especialistas da empresa, opta por implantar o projeto B em um timing mais prolongado, conforme a tabela 2.1:

Tabela 2.1
Fluxos de Caixa Líquidos do projeto B original e modificado

Note-se acima a extensão dos investimentos iniciais por dois anos. Para a taxa de desconto de 8% ao ano, os resultados considerando o novo timing de investimentos estão apresentados na tabela 2.2:

Tabela 2.2
Resultados da Avaliação Econômica do projeto B original e modificado

Conforme se constata, a escolha política dos conselheiros tem um custo estimado, a valor presente, de R$ 17 milhões, correspondentes à diferença entre os VPL´s nas duas situações, isto é, com e sem o ajuste de tempo determinado pelo conselho.

Todavia, a opção de ajuste de timing, que implica renúncia a uma criação de valor até maior do que aquela relacionada à não escolha de novos fornecedores de logística, acomoda os interesses societários envolvidos, mantendo o respeito ao acordo de acionistas (contrato) previamente firmado entre esses, bem como harmonia entre os sócios e na organização.

Neste exemplo hipotético, assume-se o mesmo horizonte de investimento considerado inicialmente, haja vista que o projeto B, hipotético, tem uma janela de aproveitamento de receitas cujo limite final é o ano 5.

Decisão responsável

O projeto B modificado da decisão acima atravessará uma importante área de preservação ambiental em um Estado da Federação. Assim sendo, o conselho de administração recomenda especiais cuidados na execução do projeto, já que uma empresa concorrente teve problemas no passado com um de seus projetos: aspectos ambientais negativos desse projeto foram divulgados em várias mídias, desgastando a imagem e a reputação corporativas. 

Os conselheiros concordam com a sugestão da diretoria executiva de elevar o orçamento inicial, que previa a contingência clássica de 10%, em mais 5%. A nova contingência do investimento a realizar aprovada é aumentada, portanto, para 15%.

As tabelas 3.1 e 3.2 apresentam, respectivamente, as informações e os novos resultados do projeto B, considerando a taxa de desconto de 8% ao ano:

Tabela 3.1
Fluxos de Caixa Líquidos do projeto B modificado em duas etapas

Tabela 3.2
Resultados da Avaliação Econômica do projeto B modificado em duas etapas

Note-se a elevação dos investimentos iniciais de $ 100 milhões para 105 milhões, ao longo de dois anos.

O novo critério de contingência tem um custo, a valor presente, de R$ 4 milhões, quando se comparam os VPL´s da tabela 3.2. Ao mesmo tempo, a decisão torna a execução do projeto B mais segura e todos os envolvidos ficam mais confiantes quanto ao sucesso da iniciativa.

Algumas reflexões

A primeira reflexão a tecer em relação aos exemplos hipotéticos apresentados neste breve artigo é que em nenhuma das decisões do conselho de administração apresentadas deixou de existir racionalidade. A decisão pelo projeto B, em função do receio em relação a novas parcerias, evidenciou, porém, a racionalidade limitada, pois: 1) não havia conhecimento preciso sobre o que esperar de novos fornecedores de serviços de logística em negociações sobre preços; e, 2) as percepções dos conselheiros eram distintas sobre as novas parcerias; para uns, estas seriam exequíveis, e para outros e a diretoria executiva, substancialmente arriscadas.

A segunda reflexão aqui apresentada tem a ver com o consenso do conselho de administração quanto ao timing do projeto, de modo a contemplar os interesses existentes: necessidade de curto prazo de um dos sócios (foco em dividendos) versus visão de longo prazo dos demais (foco em maior retorno econômico). Ao mesmo tempo, destaca-se que a característica política não deixou de também estar presente na escolha pelo projeto B, comentada no parágrafo anterior, uma vez que: 1) as percepções dos conselheiros quanto aos riscos eram discordantes entre si; e, 2) havia também discordância entre a percepção de riscos de parte dos conselheiros e aquela da diretoria executiva.

A terceira reflexão objeto destes comentários se refere ao caráter responsável da decisão relativa à contingência do projeto para enfrentar dificuldades socioambientais. Note-se que o conselho de administração, acatando sugestão da diretoria executiva, optou pela segurança, ampliando o conforto em relação às condições de execução do projeto. Assim sendo, abandonou-se a contingência clássica de 10% para adotar 15% como critério de trabalho.

Como quarto e último ponto de realce, observa-se que os exemplos aqui apresentados poderiam ter sido explorados com respeito a outros modelos de decisão, especialmente a intuição e o gradualismo. A intuição pode ter estado presente em todas as decisões: escolha do projeto B, ajuste no mesmo visando ampliar o timing de investimentos e um novo ajuste para elevar a previsão de contingência.

Adicionalmente, a ideia de gradualismo não deixou de estar presente no reconhecimento, pelos conselheiros, de que a decisão em prol do projeto B não impedirá parcerias futuras, em projetos que não impliquem substituição de parceiros, mas em sua adição aos relacionamentos da empresa.

Finalizando, os exemplos deste artigo, hipotéticos e não exaustivos, ilustram como a decisão relacionada à escolha entre projetos de investimento pode se alterar substancialmente, conforme o contexto decisório e as pessoas envolvidas. E ilustram como uma mesma decisão pode ser impactada e ajustada por outros elementos do contexto decisório, com vistas a conciliar interesses, atuar com maior responsabilidade sociambiental e lidar com riscos e incertezas.

Mônica Mansur Brandão




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Comentários
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1) Os exemplos aqui apresentados não se baseiam em casos reais específicos, tendo sido construídos para ilustrar conceitos  teóricos apresentados no post Líderes organizacionais e modelos de decisão.

2) O cálculo do Valor Presente Líquido (VPL) utiliza a mesma lógica que pode ser vista no post Em foco: o que significam valor de mercado e valor econômico, para o cálculo de valor econômico de uma companhia fictícia.

3) A Taxa Interna de Retorno (TIR) é aquela que zera o VPL.

4) Além do VPL e da TIR, existem outras métricas para avaliar economicamente projetos de investimento, a exemplo da TIR Modificada, do Payback e da Relação Benefício-Custo (RBC).

5) Não se exploram neste breve artigo (ainda que isto fosse possível) aspectos específicos da governança corporativa da empresa, tais como o viés conservador do conselho de administração (que raciocina sobre cenários conservadores), o respeito que este tem pelas opiniões da diretoria executiva (demonstrado tanto na escolha do projeto B quanto na ampliação da contingência) e o acordo de acionistas firmado entre os sócios (instrumento de estabilização dos relacionamentos entre estes).