sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Líderes organizacionais e modelos de decisão


Os mecanismos que conduzem a decisões interessam aos conselhos de administração e às diretorias executivas. Tomar decisões reside no cerne de sua atividade profissional.

Considerações iniciais

Tomar decisões é uma das mais relevantes responsabilidades dos conselhos de administração e das diretorias executivas. As decisões podem ser variadas nessas instâncias, abrangendo a criação e revisão de negócios, modelos de gestão, políticas organizacionais, estratégias, estruturas, processos, práticas de gestão de pessoas e muito mais. Há grande variedade de decisões a tomar; se algumas são mais operacionais, outras são críticas e com potencial para comprometer o futuro e os interesses de quem tem expectativas em relação à organização.

Conforme a decisão a tomar, muitas variáveis estarão envolvidas; algumas das quais, críticas. Além disso, pode haver limitações de diversas ordens sobre o que fazer. Engana-se quem considera que não escolher uma alternativa e deixar um problema perdurar por tempo indeterminado não resulta de uma decisão: nessa circunstância, quem decide, simplesmente se decidiu por não escolher. Há alguns anos, ouvimos de um executivo, em uma situação dessa natureza, uma frase que diz tudo: “o momento é delicado e a melhor escolha para o momento é adotar o que eu chamo de procrastinação estratégica”.

Existem vários modelos de tomadas de decisão. Recentemente, tivemos a oportunidade, no âmbito de um curso sobre negociação ministrado pelo professor Nélio Oliveira, da PUC Minas Virtual, de ouvi-lo discorrer com substancial clareza sobre modelos de tomadas de decisão. Em uma apresentação densa em conteúdo, mas muito didática, o professor relacionou as seguintes modalidades de decisão: racional, comportamental, política, responsável e as demais. Discorremos aqui brevemente sobre os ensinamentos do ilustre professor, acrescentando, pontualmente, comentários relacionados aos conselhos e às diretorias.

Decisão racional

Iniciemos pela decisão racional, aquela que busca adequação entre os meios disponíveis e os fins desejados. Decide-se, nesse modelo decisório, pela alternativa que produz bons resultados, minimizando-se, concomitantemente, os gastos a realizar. A alternativa escolhida pode ser definida como sendo a melhor (the best). Quando existe maior complexidade na decisão, pode-se usar modelos racionais mais elaborados para identificar a melhor alternativa, como por exemplo, as árvores de decisão entre outros.

Todavia, as decisões racionais esbarram na própria racionalidade do ser humano, que é limitada, conforme apontou Herbert Simon, um dos mais importantes nomes da teoria organizacional e da economia comportamental, laureado, em 1978, com o Prêmio Nobel de Economia. Ocorre que, primeiramente, existe assimetria informacional: as informações disponíveis para decisão não são completas e conhecidas de forma idêntica por todos agentes envolvidos na decisão. Em segundo lugar, as pessoas processam as informações de diferentes formas, existindo, portanto, diferentes percepções pessoais sobre o que deve ser decidido.

Decisão comportamental

A decisão comportamental emerge, portanto, em função da racionalidade limitada (bounded racionality). Pessoas diferentes podem tomar decisões diferentes na mesma situação. E uma mesma pessoa, na mesma situação, mas em outro momento, pode decidir de maneira diferente. Seres humanos não são computadores e, assim sendo, a decisão tomada será a satisfatória, não a decisão ótima buscada em decisões racionais.

Fatores subjetivos podem determinar escolhas a fazer: aspectos culturais, crenças, vivências, processos cognitivos e outros fatores associados ao indivíduo conduzirão à decisão. Importante: racionalidade limitada não significa racionalidade nula, mas circunscrita por variáveis que dependem consideravelmente do indivíduo e de suas condições específicas.

Decisão política

E quanto à decisão política? Esta é tomada em contextos de conflitos de interesses. As decisões políticas, assim como as demais modalidades de decisão deste breve artigo, podem estar presentes no ambiente de governança corporativa, o locus de atuação dos conselhos administrativos e das diretorias executivas. Estes profissionais, por vezes, necessitam deliberar conciliando interesses de stakeholders (públicos relevantes): sócios, provedores de capital, empregados, clientes, fornecedores e outros. Consideremos este exemplo clássico, para fins de raciocínio: deve-se pagar mais dividendos a curto prazo, conforme deseja o sócio A, ou investir em um projeto de longo prazo, conforme defende o sócio B? Decisões políticas envolvem negociação entre as partes envolvidas, sendo, portanto, decisões negociadas.

É importante dizer que a palavra política, acima empregada, deve ser destituída de conotações negativas, por vezes atribuídas a situações envolvendo a atuação de organizações e agentes da esfera pública (eventualmente, também da esfera privada). Estamos tratando aqui de circunstâncias em que partes interessadas, sejam estas pessoas físicas ou jurídicas, com interesses legítimos, buscam legitimamente defender tais interesses, de forma proba. O sócio A supramencionado busca dividendos para objetivos plenamente defensáveis, assim como o sócio B defende o seu ponto de vista considerando o Valor Presente Líquido (VPL) e a taxa interna de retorno (TIR) interessante que determinado projeto poder entregar, se os recursos puderem ser nele investidos.

Decisão responsável

Passemos à decisão responsável. Nesta modalidade decisória, é necessário que as decisões sejam tomadas considerando variáveis como normas legais, culturais e sociais, valores, costumes, princípios éticos e consciência moral entre outras variáveis. As decisões responsáveis também estão presentes no ambiente de governança corporativa, quando, por exemplo, se está decidindo sobre como resolver um problema criado pela organização, o qual causou danos ao meio ambiente e à sociedade.

Sobre a decisão responsável, nela se destacam três dimensões: a cultural, a ética e a da consciência moral. Conforme explica o professor Nélio Oliveira, cultura pode ser definida como um conjunto de elementos tangíveis e intangíveis que uma sociedade adota com a passagem do tempo, por considerá-los válidos: costumes, valores, hábitos, símbolos e muito mais. A cultura é importante por conectar as pessoas entre si; tomar decisões com base na cultura aumenta as chances de aceitação da decisão tomada.

Já sobre a decisão ética, algumas lógicas podem explicá-la, como por exemplo, não fazer com o próximo o que não se deseja para si, fazer o que é justo, fazer o que é certo, fazer o que é melhor para coletividade e outras. Uma forma de tratar decisões baseadas na ética é a de uso de três filtros, correspondentes a três perguntas: a decisão é baseada na verdade? É boa (justa)? É útil? Naturalmente, a dimensão cultural pode interferir na decisão de cunho ético.

Quanto à dimensão da consciência moral, essa se relaciona à concepção interna de justiça do indivíduo, quando este se sente responsável pelo que ocorre ao seu redor. Está relacionada à consciência da pessoa, ao seu desejo (ou não) de ter um sono tranquilo, em função de ter agido (ou não) conforme o que é moralmente correto. A decisão baseada na consciência moral pode ser afetada pela cultura e ética vigentes.

Outras modalidades de decisão

Existem outras modalidades de decisão residuais e, entre estas, apontam-se aquelas baseadas em intuição, incrementalismo e aprendizagem e categorização. Sobre intuição: este é um tema da órbita da psicologia. O processo intuitivo, involuntário, não deve ser confundido com esoterismo, pois não é destituído de racionalidade. E deve ser respeitado como válido e inerente aos seres humanos. Ao mesmo tempo, em situações de alto risco, tomar decisões exclusivamente com base em uma suposta intuição pode não ser um bom caminho. Combinada com outros modelos de decisão, a decisão intuitiva tem potencial para melhorar escolhas a fazer.

Sobre incrementalismo e aprendizagem, este é uma lógica decisória baseado nos pequenos incrementos. Tal modelo é interessante em situações nas quais pouco se conhece sobre uma realidade específica. Nesse contexto, o passo a passo pode ajudar a desenvolver atividades, permitindo o aprendizado e a revisão de pequenas decisões tomadas ao longo do tempo. Em algumas situações, o incrementalismo e a aprendizagem podem ser uma boa alternativa para tomar decisões e revisá-las; todavia, nem sempre é aplicável, podendo deixar de tratar grandes riscos, os quais precisam ser enfrentados.

Por fim, na categorização, substancialmente utilizada na Medicina, a ideia básica é criar catálogos de alternativas que permitam tanto diagnosticar problemas quanto definir ações a serem executadas. A categorização exige, em geral, profissionais especializados. Decisões baseadas na categorização podem ser muitas; a limitação reside nos casos específicos e não enquadrados nas categorias previamente estabelecidas, existindo o risco de tratamentos inadequados a casos complexos.

Uma reflexão final

Todos ou vários dos mecanismos aqui brevemente apresentados sobre tomadas de decisões podem estar presentes nas deliberações do ambiente de governança corporativa. Ter consciência sobre sua existência pode ajudar conselheiros de administração e diretorias executivas a refletirem sobre caminhos escolhidos ou a escolher, reconhecendo, principalmente nas decisões de maior impacto organizacional, que elas podem, sim, ter, concomitantemente, elementos de racionalidade, comportamentais, políticos, de responsabilidade, intuitivos e outros.

Naturalmente, os mecanismos de tomada de decisões aqui muito brevemente descritos se aplicam não apenas aos líderes que atuam no topo das organizações, mas não podemos nos esquecer de que as suas decisões são aquelas de maior impacto organizacional e, portanto, merecem especial atenção e reflexão.

Sobre o professor Nélio Oliveira

Nélio Oliveira é graduado e mestre em Administração pela UFMG. Atuou durante anos em organizações públicas, privadas e de economia mista, dos setores primário, secundário e terciário, tendo assumido cargos gerenciais em departamentos de produção, finanças, vendas e recursos humanos. É autor do livro Automated Organizations: Development and Structure of the Modern Business Firm (Editora Springer). Leciona em cursos de Administração da PUC Minas e tem experiência de uma década em cursos EAD.

Sobre o curso indicado

O curso Negociação e tomada de decisão, ministrado pelo professor Nélio Oliveira, é oferecido pela PUC Minas, virtualmente, compondo-se de quatro unidades, quais sejam: modelos de tomada de decisão, a prática da tomada de decisão, conflito e negociação e desenvolvimento de competências de negociação. 

Mônica Mansur Brandão


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