sábado, 11 de julho de 2020

Peste bubônica, crise COVID-19 e mudanças no sistema econômico


Pode-se fazer um paralelo entre as duas pandemias: peste negra e Covid-19

Matéria recente da BBC News Brasil, repercutida pelo jornal Folha de São Paulo – Dos Medici à Amazon: como pandemias ajudaram megacorporações a crescer ainda mais (27/6) – discorre como grandes crises sanitárias impulsionaram os proprietários de grandes riquezas, intensificando, ao mesmo tempo, as mazelas sociais. Apresentam-se aqui alguns pontos de destaque dessa matéria, além de reflexões sobre os mesmos.

Corria o ano de 1348, quando se teve notícia das primeiras pessoas na Inglaterra com sintomas como dores de cabeça e no corpo e náuseas, aos quais se seguia o inchaço dos gânglios linfáticos, que se tornavam escuros e dolorosos – os bubões. Daí advêm as expressões peste bubônica e peste negra. Navios que traziam soldados e mercadorias da Ásia Central trouxeram para a Europa a bactéria causadora da peste, a Yersina pestis, egressa de pulgas que viviam nos pelos dos ratos, habitués dos porões dos navios.

A expansão comercial aliada à carência alimentar da população tornou-se cenário propício para uma pandemia. Entre 1348 e 1350, estima-se que de um terço a metade da população europeia tenha sido dizimada pela peste bubônica e que a letalidade da doença tenha se situado por volta de 80% dos infectados. O número de mortes pode ter sido de 75 a 200 milhões de pessoas pelo mundo.

Antes dos sinais citados de uma doença séria, a Europa havia passado por um expressivo crescimento do comércio e das colonizações marítimas e vivia uma explosão populacional, que gerou um excedente de mão de obra. Essa situação havia levado o sistema feudal a uma crise, pois o feudalismo não mais conseguia se manter autossuficiente na produção de alimentos. A peste reduziu o excedente de mão de obra entre servos e camponeses livres e terminou por agravar a crise do feudalismo.

A pandemia do século XIV provocou uma devastação econômica generalizada por toda Europa e acelerou a transformação no sistema econômico mundial da época. A crise do sistema feudal acelerou a chegada do capitalismo. Os camponeses que sobreviveram à peste passaram a demandar melhor pagamento ou a deixar os feudos onde viviam, em busca de trabalho, deslocando-se para os burgos, as cidades que emergiam da atividade comercial e da emergência de uma nova classe social, a burguesia.

Apesar de a peste bubônica ter causado um primeiro impacto negativo para os negociantes da época, no longo prazo, eles foram beneficiados pela concentração de riqueza e pelo crescimento de seu mercado e influência política. Naturalmente, as relações de comerciantes ricos com os líderes políticos do fim da idade média tiveram um papel importante na evolução dos fatos.

Com a peste bubônica, empreendedores urbanos se beneficiaram da migração de pessoas para os burgos; ademais, eles tinham capital para investir em novas tecnologias, compensando eventuais carências de mão de obra. Diferentemente de tecelões independentes, que não tinham capital, e de aristocratas, cuja riqueza vinha da terra.

Se a peste bubônica produziu forte redução na população europeia, ela não levou à redistribuição de riquezas, mas, ao contrário, à sua concentração em mãos de famílias ricas, que as transmitiram aos seus membros ao longo de muitas gerações.

Adicionalmente, a peste bubônica do século XIV acelerou as tendências de centralização do poder, aumento de impostos e da influência das grandes empresas sobre o poder dos estados. Os Médici, por exemplo, de comerciantes de tecidos passaram a produtores, banqueiros e, finalmente, a governantes hereditários de Florença, definindo os nomes de alguns papas e influenciando várias regiões da Itália.

Pandemia versus pandemia

É possível fazer um paralelo, ainda que superficial, entre a peste bubônica ou peste negra e a pandemia COVID-19? Sim, e a primeira consideração a ser feita diz respeito ao papel da globalização em ambos os eventos. Na peste bubônica, destacam-se as navegações como meio de disseminação do vírus que matou milhões de pessoas; na crise COVID-19, enfatiza-se a mobilidade dos cidadãos no século XXI, cujos deslocamentos pelo Planeta nunca foram tantos, até a crise ser deflagrada.

A segunda consideração a fazer diz respeito ao número de mortos que, na crise sanitária do século XIV (de 75 a 200 milhões de mortos), foi muito superior ao da crise sanitária do século XXI (no patamar de 562.137 mortos, em 11 de julho). As condições sanitárias da humanidade melhoraram significativamente, mas, nem por isso se espera que os efeitos da crise sanitária atual nas economias nacionais não sejam altamente preocupantes.

Destaca-se a contribuição da peste para a aceleração do capitalismo nos burgos urbanos, espaços produtivos da burguesia emergente, ajudando a enfraquecer um modus operandi feudal já decadente. Se não tivesse ocorrido a peste, muito provavelmente o capitalismo seguiria evoluindo e suplantando o feudalismo, mas a pandemia ajudou a acelerar as mudanças. A crise COVID-19, por seu turno, tem apontado a necessidade de mudanças no sistema capitalista; como por exemplo, o reconhecimento da importância de sistemas de saúde públicos e da necessidade de combater assertivamente a desigualdade social.

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