sexta-feira, 10 de abril de 2015

Caso Texaco: a emergência do movimento pela governança corporativa


Rolf H. Carlsson, na obra Ownership and value creation (2001), afirma que o movimento pela governança corporativa eclodiu nos EUA, em meados da década de oitenta, e expandiu-se consideravelmente na década seguinte. Segundo o autor, como tantas outras novas ideias, tendências e modismos, tal movimento surgiu na Califórnia e, a partir daquele estado, difundiu-se pelo Planeta, especialmente em meados dos anos noventa. Carlsson considera o caso Texaco como o turning point que deflagrou o movimento pela governança, a partir daquele estado.

Antes de comentar o caso Texaco, cumpre explicar o conceito de greenmail (chantagem verde), conhecido em finanças corporativas e nos mercados de capitais. A palavra corresponde à composição de blackmail (chantagem) e green (verde, em referência ao dólar). Na operação denominada greenmail, dirigentes de uma companhia com ações em bolsa de valores se percebem ameaçados de perderem seus cargos por um investidor com recursos financeiros suficientes para amedrontá-los (por vezes, sua administração tem problemas, conhecidos pelo investidor). Eles então terminam por tomar uma decisão que prejudica a empresa e seus acionistas. Como isso ocorre?

No contexto da operação conhecida como greenmail, o investidor supracitado adquire um lote significativo de ações da companhia no mercado acionário e manifesta interesse em comprar mais ações após, criando a ameaça de um takeover hostil. E o que é takeover hostil? É a tomada de controle da companhia, por meio da compra da maioria de suas ações, via oferta de um preço interessante para os acionistas. Visando evitar o takeover, que ameaça suas posições, os dirigentes recompram o lote de ações adquirido pelo investidor que os ameaça, usando recursos financeiros da própria companhia e pagando um ágio. Para o greenmailer (investidor chantagista), o ganho é substancial, mas esse ganho corresponde à perda dos acionistas da companhia.

Este foi caso da Texaco. Em 1984, o conselho de administração e a diretoria executiva dessa companhia, valendo-se do American Companies Act, recompraram ações da Texaco a um montante substancialmente acima do valor de mercado. O objetivo da recompra foi evitar o takeover hostil que poderia ser feito pelos Bass brothers. Segundo Carlsson, essa recompra de ações custou aos acionistas da Texaco US$ 137 milhões de ágio.

A operação de greenmail em questão provocou protestos veementes, que chegaram à esfera política e deflagraram o início de um movimento pelo California Public Employes Retirement System (CalPERS), um dos grandes fundos de pensão dos EUA. O conselho administrativo do CalPERS então se posicionou: como investidora em nome de muitas pessoas e com visão de longo prazo, a Entidade não aceitaria ação similar em outras companhias do seu portfólio de investimentos, esperando ainda que as mesmas adotassem práticas que resguardassem os direitos dos acionistas.

O CalPERS iniciou uma atuação assertiva, participando de reuniões de conselhos de administração para defender seus pontos de vista e usando sua força política para lutar pelo aprimoramento de diversas questões relacionadas com o mercado de capitais estadunidense e suas corporações. Carlsson destaca a introdução pelo CalPERS do conceito de share owner (proprietário da ação), em contraposição ao conceito de shareholder (detentor da ação), reforçando os direitos dos acionistas.

Segundo Carlsson, o CalPERS não modificou sozinho a governança corporativa de muitas corporações nos EUA: seus dirigentes foram hábeis em cooperar com outros participantes do movimento pela governança corporativa. Entidades como o State of Wiscousin Investiment Board (SWIB) e o College Retirement Fund (CREF), um fundo de pensão de professores, também colaboraram com a criação do Council of Institutional Investors (CII), um dos marcos iniciais da governança corporativa nos EUA e no mundo. Assim, do caso Texaco, emergiu o ativismo de investidores institucionais no mercado de capitais estadunidense. Provavelmente, ele foi a gota d’água que originou um movimento já percebido como grande necessidade.