Rolf H. Carlsson, na obra Ownership and value creation (2001), afirma que o movimento pela
governança corporativa eclodiu nos EUA, em meados da década de oitenta, e
expandiu-se consideravelmente na década seguinte. Segundo o autor, como tantas
outras novas ideias, tendências e modismos, tal movimento surgiu na Califórnia
e, a partir daquele estado, difundiu-se pelo Planeta, especialmente em meados
dos anos noventa. Carlsson considera o caso Texaco como o turning point que
deflagrou o movimento pela governança, a partir daquele estado.
Antes de comentar o caso Texaco, cumpre explicar o conceito
de greenmail (chantagem verde), conhecido
em finanças corporativas e nos mercados de capitais. A palavra corresponde à
composição de blackmail (chantagem) e
green (verde, em referência ao dólar).
Na operação denominada greenmail,
dirigentes de uma companhia com ações em bolsa de valores se percebem ameaçados
de perderem seus cargos por um investidor com recursos financeiros suficientes
para amedrontá-los (por vezes, sua administração tem problemas, conhecidos pelo
investidor). Eles então terminam por tomar uma decisão que prejudica a empresa
e seus acionistas. Como isso ocorre?
No contexto da operação conhecida como greenmail, o investidor supracitado adquire um lote significativo de
ações da companhia no mercado acionário e manifesta interesse em comprar mais
ações após, criando a ameaça de um takeover
hostil. E o que é takeover
hostil? É a tomada de controle da companhia, por meio da compra da maioria de
suas ações, via oferta de um preço interessante para os acionistas. Visando
evitar o takeover, que ameaça suas
posições, os dirigentes recompram o lote de ações adquirido pelo investidor que
os ameaça, usando recursos financeiros da própria companhia e pagando um ágio.
Para o greenmailer (investidor chantagista), o ganho é
substancial, mas esse ganho corresponde à perda dos acionistas da companhia.
Este foi caso da Texaco. Em 1984, o conselho de
administração e a diretoria executiva dessa companhia, valendo-se do American Companies Act, recompraram
ações da Texaco a um montante substancialmente acima do valor de mercado. O
objetivo da recompra foi evitar o takeover
hostil que poderia ser feito pelos Bass brothers. Segundo Carlsson, essa recompra
de ações custou aos acionistas da Texaco US$ 137 milhões de ágio.
A operação de greenmail
em questão provocou protestos veementes, que chegaram à esfera política e
deflagraram o início de um movimento pelo California
Public Employes Retirement System (CalPERS), um dos grandes fundos de
pensão dos EUA. O conselho administrativo do CalPERS então se posicionou: como
investidora em nome de muitas pessoas e com visão de longo prazo, a Entidade não
aceitaria ação similar em outras companhias do seu portfólio de investimentos,
esperando ainda que as mesmas adotassem práticas que resguardassem os direitos
dos acionistas.
O CalPERS iniciou uma atuação assertiva, participando de
reuniões de conselhos de administração para defender seus pontos de vista e
usando sua força política para lutar pelo aprimoramento de diversas questões
relacionadas com o mercado de capitais estadunidense e suas corporações.
Carlsson destaca a introdução pelo CalPERS do conceito de share owner (proprietário da ação), em contraposição ao conceito de
shareholder (detentor da ação), reforçando os direitos dos acionistas.
Segundo Carlsson, o CalPERS não modificou sozinho a
governança corporativa de muitas corporações nos EUA: seus dirigentes foram hábeis
em cooperar com outros participantes do movimento pela governança corporativa.
Entidades como o State of Wiscousin
Investiment Board (SWIB) e o College
Retirement Fund (CREF), um fundo de pensão de professores, também
colaboraram com a criação do Council of
Institutional Investors (CII), um dos marcos iniciais da governança
corporativa nos EUA e no mundo. Assim, do caso Texaco, emergiu o ativismo de investidores
institucionais no mercado de capitais estadunidense. Provavelmente, ele foi a gota d’água que originou um movimento já
percebido como grande necessidade.